terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

O Setor Noroeste e sua falácia de "projeto ecológico"

Frederico Flósculo Pinheiro Barreto

O Setor Noroeste é, justificadamente, objeto de polêmica acerca de sua correção como projeto de expansão urbana do Plano Piloto de Brasília, entre outros aspectos de sua concepção – como a alegada característica de ser um inovador “bairro verde”, ecologicamente correto. A questão urbana envolvida é elementar: o Plano Piloto de Brasília não previa, de forma alguma, essa expansão formada pelos setores Noroeste e Sudoeste, reflexos dos espaços das Asas Norte e Sul, respectivamente. Desde sua concepção original, a proposta de Lúcio Costa, de 1957, primava por sua elegância, concisão e limpeza. As formas desse extraordinário Plano Piloto foram comparadas com pássaros, aviões, borboletas... E não com gordas mariposas, ou com cidades de urbanismo pretensioso e cafona, como Las Vegas e Miami. No passado, no início, o Plano Piloto era esguio e elegante.

Todavia, 30 anos depois, em 1987, é o próprio Lúcio Costa que propõe esses dois novos bairros, dentro do Plano Piloto de Brasília, num singelo parágrafo, órfão de um só croqui de projeto urbano. Esse parágrafo se parecia mais com um daqueles incisos de última hora, que tanto vemos nos projetos de orçamento público do Poder Legislativo, Federal ou local.

Pior, não havia, para a criação desses impactantes setores urbanos, a menor justificativa, seja urbanística, seja de serviços, seja habitacional, seja estética. Os enormes volumes de trânsito de veículos (cerca de 40.000 veículos concentrados em um bolsão com poucas saídas), o impacto na infraestrutura de fornecimento de água potável e tratamento de esgotos, entre tantos outros aspectos, não eram considerados, de forma alguma. Era um parágrafo estranho a toda a biografia e doutrina do grande urbanista, um inusitado parágrafo que tão-somente abria a exceção para a ocupação imobiliária de áreas preservadas. Não tenho a menor dúvida de que Lúcio Costa foi pressionado a escrever e assinar essa enormidade, que agrava seriamente o mais importante plano urbanístico brasileiro.

O que acontece a seguir é lamentável.

O Setor Sudoeste, que o antecede em uma década e meia, foi projetado de forma ambientalmente agressiva, ocupando todos os espaços vazios disponíveis acima da Asa Sul e do Parque da Cidade, entre o Eixo Monumental e o Setor Octogonal. O Setor Noroeste será ocupado em etapas, da mesma forma imobiliariamente exaustiva. A alegação dos vendedores, de que será um “bairro verde”, é falaciosa, pois: a) o Setor Noroeste não é fruto de nenhuma análise ambiental que o coloque como forma de defesa do ambiente, ou de manejo claramente orientado para a preservação daquela enorme gleba; b) não há um projeto de educação ambiental ou de organização comunitária concomitante com esse episódio de urbanização, central a esse projeto, gerador de suas formas. Isso, sim, seria inovador, revolucionário, exemplar, digno de Brasília.

Ao contrário, trata-se de um empreendimento com um padrão comercial que é o ideal para os espertos empreendedores imobiliários de Brasília, pois usa algumas das características do urbanismo de Lúcio Costa para promover um produto, uma mercadoria, de magna lucratividade. Não há sequer a previsão das condições básicas de organização comunitária já conquistada pelas comunidades das superquadras de Brasília, como as sedes de Prefeituras Comunitárias. O Setor Noroeste abrigará, isto sim, a imponente sede de uma Administração Regional, da confiança do governador, que fará o mesmo trabalho de desmobilização da comunidade, de um “peleguismo comunitário”, que é fatal à organização de uma comunidade que defenda a qualidade ambiental de seu habitat.

Contudo, é impossível não reconhecer que o Governo do Distrito Federal – ao associar-se a empreendedores imobiliários de um modo tão explícito, esforçando-se para “vender” o novo bairro como um empreendimento ecologicamente fundamentado, ainda que de forma falsa, falaciosa – toca num ponto caro à população de Brasília: há enorme expectativa de que nossa cidade tenha empreendimentos com a qualidade da responsabilidade ambiental, de forma verdadeira, transformadora. E a Universidade de Brasília deve colaborar em projetos sérios, nessa direção: por um urbanismo que empodere a comunidade e promova uma ocupação urbana com base nas ciências ambientais.


Frederico Flósculo Pinheiro Barreto é professor do departamento de Projeto, Expressão e Representação em Arquitetura e Urbanismo da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da UnB.

Nenhum comentário: